Em agosto desse ano a Lei de Anticorrupção Brasileira (Lei nº. 12.846/2013) completa 10 anos de existência e nos leva a questionar o que de fato mudou nesta última década? Em que pese a recente mudança na Lei das Estatais permitindo uma maior influência política no Conselho de Administração das empresas públicas, podemos afirmar que a Lei de Anticorrupção Brasileira contribuiu sobremaneira para o fortalecimento da cultura de compliance e governança no país.
Segundo o Relatório Integridade Corporativa no Brasil de 2022, elaborado pela Deloitte, a utilização de um canal de denúncias anônimo e independente teve um salto de 48% nos últimos anos, tendo sido responsável pela descoberta de 69% dos casos de fraude e irregularidade. O Relatório também aponta que 71% das 113 empresas brasileiras entrevistadas passaram a contratar mais profissionais de compliance para garantir o cumprimento das políticas de governança e o código de ética e conduta.
Inspirada em diretrizes internacionais como, por exemplo, a Convenção da ONU contra a Corrupção de 2003, a Lei de Anticorrupção Brasileira incorporou elementos típicos da Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) de 1977 e United Kingdom Bribery Act (UKBA) de 2010 ao incluir o critério da extraterritorialidade (aplicação da Lei mesmo quando o ato lesivo é praticado no exterior) e a possibilidade de implementação de um programa de compliance como redutor da multa. Nesse contexto, o Relatório da Deloitte retrata claramente um aumento de 37% no número de empresas que passaram a adotar um programa de compliance mais robusto e a incluir cláusulas de anticorrupção em seus contratos com terceiros.
Esse índice nos leva a perceber a importância de abarcar os fornecedores e prestadores de serviços não somente no programa de compliance, mas como também parte da preservação do capital reputacional das empresas. Os escândalos envolvendo a Gol Linhas Aéreas que utilizou terceiros no pagamento de propinas para aprovação de leis mais benéficas, bem como as vinícolas brasileiras, condenadas por utilizar prestadores de serviço que se beneficiavam de trabalho escravo, são apenas alguns dos exemplos que evidenciam a necessidade de um olhar mais cauteloso na cadeia de produção.
Outro dado interessante levantado pela pesquisa é o protagonismo do canal de denúncias que passou a ser utilizado por 79% das empresas, tendo sido responsável pela descoberta de 69% dos casos de fraude. Todos esses dados indicam o crescimento do interesse das empresas em implementar práticas de governança e conformidade ao longo dos anos, tendo em vista o avanço da pauta ESG e o próprio incentivo da legislação. Por outro lado, não só de pontos positivos se revestem a Lei de Anticorrupção Brasileira, cabendo questionar o que não foi eficaz nessa última década de aprovação.
Desde 2015 (um ano após a Lei entrar em vigor) até a presente data, foram apenas 82 propostas de Acordo de Leniência recebidas pela Controladoria Geral da União (CGU), de acordo com os dados oficiais. Um número baixo, levando em conta as 15.008 empresas inidôneas e suspensas ou as 688 empresas punidas por atos de corrupção, segundo o Portal da Transparência. Nota-se que para os lenientes, muitas vezes, o Acordo não garante uma segurança jurídica ou medida protetiva eficaz, considerando a multiplicidade dos órgãos públicos envolvidos na negociação e os riscos de vazamento das informações.
Dessa forma, a Lei de Anticorrupção Brasileira ainda necessita significativa mudança no tocante aos Acordos de Leniência para que haja maior cooperação das empresas e avanço na pauta anticorrupção. Não obstante, em tempos em que as mídias sociais promoveram a regeneração da pauta ESG, podemos comemorar o avanço dos processos de controle interno e da própria área de compliance que passou a contar com mais profissionais dedicados exclusivamente à construção de um ambiente corporativo verdadeiramente limpo.
Referências:
https://portaldatransparencia.gov.br/sancoes
https://www2.deloitte.com/br/pt/pages/risk/articles/integridade-corporativa-evolucao-do-compliance.html